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Heiner Müller, dramaturgo, ensaísta, diretor e escritor alemão, nasceu em 1929 e morreu em 1995. Ele é sempre citado como um dos mais importantes autores de teatro da segunda metade do século XX e, também, como discípulo e seguidor de Bertolt Brecht. Em 1990 foi eleito presidente da Academia de Artes de Berlim. Em 1991 recebeu o Prêmio Europa de Teatro e assumiu a intendência do Berliner Ensemble.

Hamletmaschine (Die Hamletmaschine), peça de Heiner Müller, foi desenvolvida em 1977, na Bulgária.  Müller já tinha o projeto de escrever uma peça sobre Hamlet e pensava em situá-lo como filho de Rajk, Slansky ou de Kostov. Hamlet em Budapeste. Em Berlim ele foi consultado se poderia traduzir Hamlet em quatro semanas, para a encenação de Benno Besson. Ele disse que não, mas continuou colaborando com o assistente de direção Mathias Langhoff, que sempre lhe trazia perguntas de alguns trechos da tradução que estavam utilizando e que não funcionavam no palco. Então, houve mistura de uma tradução preexistente com as novas inserções; o que gerou um processo de plágio.

Hamletmaschine é uma peça de nove páginas, onde não há diálogos; apesar de Müller ter desejado trabalhar com o dialógico. Há só blocos de monólogos e tudo do texto original foi reduzido, encolhido. Também não houve mais diálogo com o tema Budapeste. Assim, a peça reflete muito mais sobre a situação dos intelectuais na Republica Democrática Alemã, distanciando-se muito do original de Shakespeare. Quando finalizou o texto, Müller não tinha um título e foi através de Andy Warhol que ele vislumbrou uma possibilidade, Shakespeare-Factory. Mas foi ao lembrar-se de A Máquina de Solteiros, de Duchamp, que chegou a Die Hamletmaschine - A Máquina Hamlet. A máquina como uma metáfora, tema/conceito que Müller lidava desde o início dos anos setenta.

A peça está dividida em cinco atos, nos quais se inserem imagens cruéis, caracterizadas por uma linguagem chocante, que parece carecer de conexões, deixando espaço para interpretações e abordagens. No primeiro ato, há o jogo teatral entre o narrador e o personagem. Agora, é ‘ser e não ser’; não mais ‘ser ou não ser’. No segundo, há a manifestação de Ofélia em ‘A Europa da Mulher’. No terceiro, Scherzo, a confrontação entre Hamlet e Ofélia, a partir do grotesco. No quarto, Peste em Buda/ Batalha pela Groelândia, Hamlet como ator, diretor e dramaturgo – o metateatro. No quinto, Ofélia renega e sufoca o mundo que pariu entre as suas coxas. A poética teatral da perturbação.

Talvez o teatro pós-dramático, conceituado por Hans-Thies Lehmann, possa ser epitomizado numa frase de Heiner Müller, que diz que “para que alguma coisa surja é preciso que alguma coisa desapareça. A primeira configuração da esperança é o medo. A primeira manifestação do novo é o horror”.

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LEITURAS
DRAMÁTICAS

23/out . 20H
SILÊNCIO (Autoacusação)

de Peter Handke com Luiz Alberto Contarato

30/out . 19H30
Na Solidão dos Campos de Algodão

de Bernard-Marie Koltès com Rejane Arruda

06/nov . 19H
PSICOSE 4.48

de Sarah Kane com Renza Nascimento

13/nov . 20H
HAMLET MACHINE

de Heiner Müller com Philippe Emanuel 

TEXTOS
CRÍTICOS

por SAMIR SIGMEU

CANAL SOCA BRASIL
23/OUT a 19/NOV

Confira datas e horários completos dos demais eventos clicando abaixo:

HAMLETMASCHINE

Sarah Kane, dramaturga inglesa, nasceu em 1971 e suicidou-se em 1999, no banheiro do hospital em que estava internada por tentativa de suicídio, enforcando-se com os seus cadarços. Ela tinha como temática nos seus trabalhos, a angustia, a dor, a solidão, o amor que liberta, a condição humana, os desejos sexuais e a tortura física ou psicológica. Mas tudo com intensidade poética, no emprego de uma linguagem curta. Ela explorava a textualidade e as ações cênicas extremas e violentas no palco; além da metateatralidade. As suas personagens são carregadas de profundidade psicológica. Sua obra é pequena, mas profunda, forte, provocante e cheia de imagens violentas; a saber: o curta-metragem Skin, as peças Blasted (Ruínas), Phaedra’s Love (O Amor de Fedra), Cleansed (Purificados), Crave (Falta) e Psicose 4:48.

Psicose 4:48 é o último trabalho de Sarah Kane e foi finalizado um pouco antes da sua morte. É, também, o seu texto teatral mais curto e fragmentado, distanciando e muito da constituição da dramática tradicional. Nessa desconstrução, há espaço para o épico, o lírico e, também, o dramático. E as unidades de tempo e espaço são dissolvidas, diluídas e as ações parecem se repetir. Poder-se-ia dizer que é uma colagem a partir da memória.

Como se fosse uma “carta de suicida”, há em Psicose 4:48 o mergulho na subjetividade, na autoaniquilação de uma mente psicótica, conturbada. O texto dispensa o enredo e a fabula. E nenhuma indicação é dada sobre a quantidade de atores que deveriam atuar. Temos aqui o fluxo de consciência de uma personagem perturbada por seus traumas e suas memórias, em um momento de dramaticidade vertical, num discurso lírico, com muitos espaços vazios. Lacunas para serem preenchidas pela encenação, pela realidade ou a imaginação dos espectadores.

Com relação à estrutura da peça, Psicose 4:48 é um texto curto e fragmentado, sem informações diretas e especificas sobre a personagem. As cenas são independentes e as passagens de uma cena para a outra são sinalizadas e indicadas pela sequência gráfica de cinco traços  - - - - - , indicando interrupção de continuidade. Dessa forma, não há uma ligação lógica ou continua entre elas, como há num texto aristotélico. Aliás, a diagramação deste texto lembra muito aquela dos poetas concretistas.  Começa com: (Um silêncio muito longo) e termina com: “por favor fechem as cortinas”.

Há controvérsias sobre o título Psicose 4:48. Alguns dizem que era a hora em que Sarah kane acordava pela manhã, no seu estado depressivo. Outros informam que é o horário, comprovado, a partir de pesquisas e estatísticas, em que ocorre a maioria dos suicídios ou em que se pensa em suicidar-se.

“Às 4:48

 a hora feliz

 quando a clareza vem”

psicose 4:48

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Bernard-Marie Koltès, dramaturgo francês, nasceu em 1948 e morreu em 1989. De família burguesa, desde muito jovem era violento, alcoólatra, viciado em drogas e revoltado. Em 1970 montou o seu grupo teatral o Théâtre du Quai e começou a escrever para o teatro.  Seus textos, como Combate de Negros e Cães, A Noite antes da Floresta, Roberto Zucco e outros, foram traduzidos para cerca de trinta idiomas. É um dos autores franceses mais representado no mundo. Sua obra é uma pesquisa constante sobre a comunicação entre os homens. Seu teatro é baseado em problemas reais e expressa a tragédia da solidão e da morte. Um teatro de revolta.  

Na Solidão dos Campos de Algodão, Dans la solitude des champs de coton,  peça em um ato de Koltès, foi escrita em 1985, entre Nova York, Paris e Brasil. Os dois personagens deste texto são o cliente e o traficante em situação de negociação. O que um quer e o que o outro vende?  O traficante sabe que o desejo do cliente depende de algo que ele possa lhe oferecer. No entanto, também depende dos desejos do cliente. Aliás, desejo é a palavra mais utilizada neste texto. Mas que desejo? Desejo do outro? Desejo do desejo do outro? Desejo de morte?

Não há nenhuma indicação do autor sobre o tempo e espaço em que eles se encontram e a ação que se desenvolve. Há um jogo inteligente e proposital, da parte do escritor, para que os espectadores permaneçam na dúvida sobre o assunto e objeto das negociações entre os dois. Assim, o público é instigado a refletir sobre quem são aqueles personagens que falam da vida e morte, do bem e do mal, de luz e escuridão, de paz e guerra. O perigo da existência humana. O negócio é a própria vida? Tudo é encoberto e sombrio. Há, inclusive, a possibilidade de que eles tenham se encontrado ao acaso.

Os personagens, às vezes, são argumentativos, até mesmo ameaçadores; e muitas vezes falam longos monólogos uns aos outros – uma das características da escrita de Koltès. A conversa é intensa, com imagens fortes e contundentes, e já foi descrita como sexualmente carregada. Dessa forma, o encontro é marcado pela hostilidade, confronto, desconfiança, violência. Um duelo angustiante. E o diálogo se torna uma briga. As relações humanas, aqui, parece ser aquela de briga de território de cães e gatos. Uma relação de barganha entre os dois protagonistas – uma relação de mercado da sociedade consumo. Uma visão radical do mundo e dos relacionamentos, inclusive os sentimentais.  Assim, no teatro de Koltès, as relações sentimentais são como transações comerciais.  E em Na Solidão dos Campos de Algodão, ele nos mostra o que acontece um pouco antes do conflito permeado pela solidão, dependência e inversão das relações de poder. No final, o cliente pergunta ao traficante:

“Então, que arma?”.

na solidão dos campos de algodão

Peter Handke nasceu em 1942, na Áustria. É dramaturgo, romancista, roteirista, ensaísta e diretor. Ganhou o Prêmio Nobel de literatura em 2019. Autoacusação (Selbstbezichtigung) é a terceira peça de Peter Handke; ela foi publicada e apresentada pela primeira vez em 1966, sendo dedicada à atriz Lidbgart, sua esposa na época e com quem teve uma filha.

Na curta didascália introdutória desta peça, somos informados de que se trata de uma ‘Peça Falada’ para dois oradores – um homem e uma mulher – que falarão num microfone, sem estarem representando personagens. Não há separação de textos que indique quem deve falar. As vozes podem ser alternadas ou uníssonas, abafadas ou vibrantes, tensas ou relaxadas, formando assim uma partitura harmonicamente estruturada. A musicalidade das palavras é indicada, sendo uma orientação importante para qualquer produtor da peça.

Como acontece em Insulto ao Público, também aqui existe a orientação de que a luz seja uniforme e constante tanto na plateia como no palco. Repete-se também a ideia do tempo e do espaço compartilhados. A cortina deve permanecer suspensa mesmo após o fim da peça. Rompendo com essas convenções teatrais, o autor busca incitar o espectador para que ele tenha consciência de que está num teatro assistindo a uma peça. Esse “artificialismo” é ainda mais acentuado pelo uso do microfone e do palco sem cenário. O que interessa aqui são as palavras que são ditas.

Autoacusação pode ser dividida em três partes distintas: na primeira, o desenvolvimento do “eu”; na segunda, evidenciar o “eu” que deve aceitar e obedecer a regras, princípios e opiniões e na terceira, o “eu” que expressa a sua necessidade de afirmação e de individualidade frente aos limites impostos pela sociedade. Autoacusação é composta por quarenta parágrafos de tamanhos diversos, que não contam, narram ou relatam uma fábula. Há uma ordenação sequencial que sugere várias fases do “eu”, finalizando num curto parágrafo em que os espectadores são alertados e colocados diante do fenômeno teatral: “Eu fui ao teatro. Eu escutei esta peça. Eu falei esta peça. Eu escrevi esta peça”.

Podemos ver em Autoacusação a constituição e a expansão do “eu burguês” e as suas tentativas de transgressão que, mesmo com caráter de vanguarda, não rompem com o “eu” que o “eu” continua sendo. Esse “eu” é um “eu” autocomplacente, um “eu” cristão, um “eu” que é a própria história da civilização burguesa e cristã. Tudo isso é expresso por meio de uma ladainha, uma autoacusação pública, permeada por um sentimento de culpa.

As primeiras peças de Peter Handke, como Autoacusação, podem ser correlacionadas com o happening. Só que nelas o texto é que é privilegiado, pois já traz consigo imagens e ações. Então, empatia e ilusão não têm espaço nelas.

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SILÊNCIO [autoacusação]

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